6 de set. de 2025

Do viral ao tribunal: a adultização digital e os riscos para as empresas




A denúncia do influenciador Felca sobre o chamado “Algoritmo P” — que, segundo ele, impulsionava conteúdos com crianças em contextos sexualizados — deixou de ser apenas um fenômeno de rede. Em 6 de agosto de 2025, o vídeo viralizou, somou dezenas de milhões de visualizações, gerou indignação pública e acelerou investigações que culminaram, dias depois, em prisões de influenciadores. O efeito cascata chegou a Brasília: em 26 de agosto, o tema pautou audiências na Câmara; em 27 de agosto, o Senado aprovou o PL 2628/2022 (“PL da Adultização”), inaugurando um novo patamar de responsabilidades para plataformas, marcas e anunciantes.

O que está em jogo

Adultização digital é a exposição precoce de crianças a padrões de comportamento, estética e consumo de caráter adulto. A dinâmica das redes potencializou o fenômeno ao combinar modelos de recomendação, economia da atenção e marketing de influência. O episódio evidenciou que conteúdos nascidos como crítica ou humor podem reorganizar agendas legislativas e regulatórias em dias — e arrastar empresas para o centro do escrutínio social e jurídico.

O que muda com o PL da Adultização

O projeto aprovado pelo Senado dá um passo além de “filtros” e controles parentais: exige segurança por design. Entre os eixos destacados no texto fornecido:

Deveres de desenho de produto: mecanismos acessíveis de monitoramento por responsáveis e vedação de publicidade segmentada para perfis infantis.

Restrições tecnológicas: limites a realidade aumentada, gamificação e outras features quando direcionadas a menores.

Transparência algorítmica: plataformas passam a explicar rotas de distribuição de conteúdo ao público infantojuvenil e prestar contas sobre critérios de recomendação.

Governança contínua: relatórios periódicos de segurança digital, compliance e gestão preventiva de riscos, com foco em prevenção, não apenas remoção reativa.

Integração Estado–sociedade–mercado: proteção da infância como responsabilidade compartilhada, ampliando o diálogo com reguladores e órgãos de fiscalização.


Para o ecossistema publicitário, o recado é direto: associar campanhas, patrocínios ou influenciadores sem diligência prévia pode gerar danos reputacionais e responsabilidade jurídica em cadeia.

Dilemas que permanecem

Liberdade de expressão vs. proteção integral: como calibrar moderação sem sufocar o debate público?

Caixa-preta algorítmica: até onde vai o dever de explicabilidade? Quais brechas ainda permitem exposição de menores a contextos impróprios?

Responsabilização por risco previsível: como aferir a culpa de empresas de tecnologia por efeitos de práticas automatizadas?


A adultização é também cultural — antecede os algoritmos —, mas a escala e a velocidade atuais pressionam o ECA e a Constituição a dialogarem com modelos digitais de negócio.


Empresas no centro: do marketing ao jurídico

A partir de agora, não basta cumprir a lei: é preciso provar que a organização estruturou mecanismos de prevenção. Isso vale para:

Plataformas: arquitetura de produto, controles por design, auditorias e relatórios.

Marcas e anunciantes: due diligence de mídia e influência, segmentação responsável, cláusulas contratuais e monitoramento contínuo.

Agências: curadoria criativa, brand safety e brand suitability com recortes específicos para infância e adolescência.

Guia prático de conformidade (imediato e acionável)

1) Governança e responsabilidades

Mapeie riscos envolvendo público menor em produtos, campanhas e parcerias.

Nomeie um executivo responsável (DPO/Head de Trust & Safety) com mandato formal e orçamento.

Crie um comitê interáreas (Jurídico, Produto, Marketing, Compliance, Dados) para decisões rápidas.


2) Produto e algoritmos

Adote “segurança por design”: fluxos diferenciados para contas de menor, opt-in explícito de responsáveis, padrões de privacidade reforçados.

Implemente trilhas de explicabilidade: documentação dos sinais de recomendação, testes de exposição de menores e triggers de contenção.

Registre trials e evidências de mitigação (logs, testes A/B, avaliações de impacto).


3) Publicidade e influência

Proíba segmentação por interesse sensível que possa favorecer adultização; reforce listas negativas e exclusões de placement.

Audite influenciadores (background, audiência, histórico de penalidades) e inclua cláusulas de compliance com sanções e planos de resposta.

Estabeleça KPIs de segurança na compra de mídia (ex.: taxa de bloqueio, desvios de audiência infantil, incidentes por milhão de impressões).


4) Monitoramento e resposta a incidentes

Monte um SOC de conteúdo (24/7 proporcional ao risco) com playbooks: detecção, quarentena, notificação a autoridades, comunicação pública.

Teste tabletops trimestrais com cenários de viralização e crise de brand safety.

Mantenha linha direta com conselhos tutelares, MP e reguladores.


5) Relatórios e prestação de contas

Publique Relatório de Segurança Digital semestral: governança, métricas, incidentes e melhorias.

Crie canais de denúncia acessíveis a responsáveis e educadores, com SLA e protocolo de triagem.

Riscos por inação

Jurídicos: multas, TACs, ações civis públicas e responsabilidade solidária em cadeia.

Financeiros: perda de receitas de mídia, bloqueio de campanhas, rescisões contratuais.

Reputacionais: boicotes, descredenciamento de influenciadores, queda de NPS e confiança.

Operacionais: exigências de redesenho de produto sob prazos curtos, elevação de custo de conformidade.

Métricas que importam (para diretoria e conselho)

Exposição infantil evitada (conteúdos/impressões bloqueadas).

Tempo de resposta a incidentes (detecção → mitigação).

Taxa de reincidência após medidas corretivas.

Cobertura de due diligence em influenciadores/parceiros.

Aderência a SLAs de atendimento a responsáveis e autoridades.

O futuro imediato

A adultização digital saiu da pauta acadêmica e entrou no centro da governança corporativa. Em um mercado cada vez mais sensível a ESG e proteção da infância, empresas que integram jurídico, marketing, produto e compliance tendem a mitigar riscos e converter segurança em vantagem competitiva. A lição do caso Felca é inequívoca: prevenção não é custo — é seguro de reputação e proteção de valor.

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